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A responsabilidade do proprietário por dano decorrente de acidente de trânsito

A responsabilidade do proprietário por dano decorrente de acidente de trânsito

Acidentes de trânsito são extremamente comuns, tanto quanto os transtornos e os aborrecimentos provenientes do acontecimento.

Como se sabe, nem sempre o condutor que causa o acidente de trânsito é o legítimo proprietário do automóvel.

Em virtude disso, especialmente a partir do momento em que a discussão decorrente de um acidente de trânsito é levada ao Poder Judiciário, inevitavelmente surgem os questionamentos acerca da responsabilidade do proprietário do automóvel conduzido pelo causador do sinistro.

No âmbito do Poder Judiciário, há muito tempo as teses apresentadas com o objetivo de afastar a responsabilização do proprietário neste tipo de situação, devido à ausência de culpa na ocorrência do acidente, já foram vencidas e superadas, não havendo mais dúvidas que o proprietário pode e deve ser responsabilizado.

Mas por que o proprietário deve ser responsabilizado se não contribuiu diretamente para o acidente?

Para quem não é afeto à área do direito, neste tipo de situação o questionamento surge de forma recorrente, por isso, por meio deste post, pretendemos objetivamente apresentar os fundamentos que levam o proprietário a ser responsabilizado por danos causados por terceiro condutor a outras pessoas envolvidas no acidente.

O Poder Judiciário de uma maneira geral entende que o dono do automóvel possui o dever de guarda da coisa, atraindo para si, desse modo, a responsabilidade pelos danos causados em acidente de trânsito quando o veículo está em posse de terceiro.

Na esfera cível, ainda que não haja previsão legal expressa que permita imputar responsabilidade ao proprietário do veículo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os tribunais estaduais entendem que o proprietário de veículo automotor responde solidariamente pelos danos decorrentes de sua utilização.

A responsabilidade do proprietário do veículo que dá causa a sinistro de trânsito decorre da culpa caracterizada nas modalidades in eligendo e in vigilando.

A primeira se dá, teoricamente, a partir de uma má escolha feita pelo proprietário do condutor do seu automóvel quando permite, por exemplo, que pessoa inabilitada dirija o veículo. A segunda está relacionada à ausência de atenção para com os bens sob sua esfera de vigilância. Em linhas gerais, as duas possibilidades de culpa estão associadas ao dever de guarda do automóvel.

A respeito da responsabilidade do proprietário de veículo envolvido em acidente de trânsito, esclarecedora é a manifestação do professor Rui Stoco sobre o tema:

“[…] a responsabilidade pela reparação dos danos é, assim, em regra, do proprietário do veículo, pouco importando que o motorista não seja seu empregado, uma vez que sendo o automóvel um veículo perigoso, o seu mau uso cria a responsabilidade pelos danos causados a terceiros, nos termos do art. 159 do Código Civil, independentemente de qualquer outro dispositivo legal. Ao proprietário compete a guarda da coisa. A obrigação de guarda presume-se contra ele. Pelo descumprimento do dever de guarda do veículo, o proprietário responde pelos danos causados a terceiros, quando o mesmo é confiado a outrem, seja preposto ou não (Wladimir Valler, op. cit., p.88-89). Como se vê, a responsabilidade do proprietário do veículo, que é presumida, não exclui a do causador mediato do acidente (terceiro que o dirigia). Ambos respondem solidariamente pelo evento, podendo a vítima acionar ambos ou qualquer deles, segundo sua escolha”. (STOCO, Rui, Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 3. ed, p. 247/248, 795).

Como se observa, a responsabilidade do proprietário do veículo é presumida, não excluída, entretanto, a responsabilidade direta do causador acidente. Nesta hipótese, como vistos, tanto proprietário quanto condutor respondem pelos danos decorrentes do acidente de forma solidária, sendo possível nesta hipótese, que os interessados acionem judicialmente ambos ou qualquer deles.

Neste sentido, consolidou-se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o proprietário do veículo também é responsável pelos danos causados em acidente de trânsito, o que possibilita que a vítima, inclusive, ingresse com uma demanda judicial visando à reparação de eventuais danos, tanto em face do condutor do veículo no momento do acidente, quanto do proprietário.

Desse modo, sendo o legítimo proprietário de um veículo envolvido em um acidente, em regra, não há como afastar a responsabilidade decorrente do sinistro.

Por isso, para que não venha a ser responsabilizado indevidamente, na hipótese de negociação de um veículo, é sempre importante que o vendedor efetive a respectiva comunicação da venda junto ao DETRAN, que é o órgão de trânsito que detém a atribuição de manter atualizada a base de dados de proprietários de veículos.

Para efetivação da comunicação de venda, basta que o vendedor entregue uma cópia legível autenticada do CRV (Certificado de Registro de Veículo), devidamente preenchido, assinado e datado, sem rasuras, emendas ou ressalvas. A informação de que foi efetuada a venda será inserida no sistema e tem por objetivo afastar a responsabilidade do antigo proprietário por qualquer irregularidade cometida com o veículo. Assim, qualquer alteração no registro do veículo fica bloqueada até que seja realizado o procedimento de transferência administrativa.

Por fim, importante destacar que existem exceções que afastam a responsabilidade do proprietário e que podem ser arguidas, caso necessário, nos âmbitos extrajudicial e judicial, como por exemplo, quando o automóvel é objeto de furto (caso fortuito) e, posteriormente, o condutor se envolve em acidente e provoca danos.

De qualquer modo, como visto, para que o antigo proprietário não sofra as consequências decorrentes de um acidente de trânsito, ao negociar um automóvel é sempre recomendável que a transferência administrativa do bem seja viabilizada imediatamente, ou, não sendo possível, que seja promovida a respectiva comunicação da venda junto ao órgão de trânsito.

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Mateus Scolari

Advogado, especialista em Direito Civil e Processo Civil, Direito Constitucional e sócio do escritório Bortolotto & Advogados Associados, onde exerce a advocacia consultiva e contenciosa, judicial e administrativa, na área do Direito Civil e Recuperação de Crédito desde 2007.

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