A legislação civil prevê proteção ao patrimônio pessoal do sócio perante as dívidas contraídas pela pessoa jurídica, dispondo que “os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais” (art. 1.024 do Código Civil) e que “os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei” (artigo 795 do Código de Processo Civil).
Esta separação ocorre porque tanto a pessoa jurídica como pessoa física possuem personalidade jurídica própria, cabendo a cada uma delas administrar o seu patrimônio e responder cada qual pelas obrigações assumidas.
Ocorre que, sendo identificado o uso abusivo da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, poderá o juiz, mediante requerimento do interessado, determinar que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Ou seja, mesmo existindo previsão protetiva ao patrimônio particular dos sócios, esta blindagem poderá ser flexibilizada por decisão judicial quando ficar comprovado que a empresa atuou com abuso da personalidade.
Para situações como esta, a legislação prevê a possibilidade de a parte credora utilizar do mecanismo processual próprio, denominado incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
A decisão que acolhe a desconsideração da personalidade jurídica possui efeito de desconstituir a separação natural existente entre o patrimônio de uma empresa (pessoa jurídica) e o patrimônio de seus sócios (pessoas físicas), fazendo com que ambos fiquem disponíveis ao pagamento de dívidas decorrente de processos judiciais.
Este procedimento poderá ser aplicado a todas as pessoas jurídicas que cometerem as hipóteses previstas pelo artigo 50 do Código Civil:
Art. 50. “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”
Excetua-se desta regra às pessoas jurídicas constituídas com uma mesma massa patrimonial entre a pessoa física e jurídica, a exemplo do Empresário Individual – EI e do Microempreendedor Individual – MEI, uma vez que nestas hipóteses a extensão patrimonial é automática.
Assim, uma vez acolhida a desconsideração, a responsabilidade perante o pagamento das obrigações da pessoa jurídica será estendido ao patrimônio pessoal dos sócios, situação que deixará os bens particulares sujeitos à expropriação.
Atualmente, há também a possibilidade de ocorrer a chamada desconsideração da personalidade jurídica inversa, ocasião em que a pessoa jurídica responderá pelos débitos relacionados às pessoas físicas de seus sócios. Neste caso, é indispensável a ocorrência de confusão patrimonial, verificando-se a fraude e o abuso de direito, comumentemente identificado quando a pessoa física utiliza-se de empresa para efetuar a movimentação financeira e aquisição de patrimônio pessoal.
A previsão na legislação de ampliar a responsabilidade patrimonial decorre da preocupação de evitar a utilização da pessoa jurídica como meio de fraude em prejuízo aos credores, servindo também como mecanismo na busca pela efetividade jurisdicional.